Bem-vindos ao meu primeiro post!
Criei este espaço para compartilhar meus insights sobre empresas incríveis e suas histórias fascinantes. Depois de quase uma década trabalhando no mercado financeiro, percebi que sempre me deparo com informações que me impressionam – então, por que não dividir isso com mais gente?
Meu objetivo é compartilhar essas informações de um jeito simples e fácil de entender! Importante: Isso não é uma recomendação de investimento.
Para começar, me inspirei na Semana de Alta Costura de Paris (Paris Haute Couture Week) e decidi falar sobre o maior conglomerado de luxo do mundo: LVMH. Para quem não conhece, a LVMH é o grupo por trás de 75 marcas (chamadas de maisons), como Louis Vuitton, Christian Dior e Moët & Chandon.
Meu interesse pela empresa começou há alguns anos, quando o CEO, Bernard Arnault, atingiu o título de pessoa mais rica do mundo (sim, superando Elon Musk e Jeff Bezos). Fiquei chocada quando vi a notícia no Bloomberg e, desde então, comecei a me perguntar:
Como isso aconteceu? Para ser sincera, nunca percebi o quão lucrativa o mercado de luxo poderia ser.
Como funciona um conglomerado de luxo e por que é um bom negócio?
Como ele criou esse império apenas por meio de aquisições (já que não foi o fundador de nenhuma das marcas)?
O que vem a seguir para a empresa? O que vale a pena ficar de olho?
Vou responder a essas perguntas, explorar alguns dramas corporativos e mostrar por que essa empresa é tão impressionante. Espero que gostem!
Entrando na Moda:
Bernard Arnault estudou na École Polytechnique e se formou em engenharia. Após a graduação, entrou na empresa de construção da família (que era lucrativa na época). No entanto, com a ascensão dos socialistas ao poder na França nos anos 80, ele decidiu se mudar para os EUA com sua família e mudou o foco dos negócios para o desenvolvimento de imóveis residenciais. Foi nesse período que ele aprendeu como os americanos fazem negócios – algo que se tornaria essencial mais tarde.
Em uma entrevista para a Universidade de Oxford, Arnault contou que a ideia de entrar no mundo da moda surgiu durante uma conversa com um taxista em Nova Iorque. Quando perguntou se o motorista conhecia o presidente da França na época (Georges Pompidou), a resposta foi: "Não, mas eu conheço Christian Dior." Essa frase ficou na cabeça dele e despertou a visão do que mais tarde se tornaria a LVMH.
Em 1984, surgiu uma oportunidade: o governo francês procurava um comprador para o grupo têxtil falido Boussac Saint-Frères. A empresa, que fabricava fraldas descartáveis, também era dona da Christian Dior. Arnault, junto com o banco de investimentos Lazard, comprou o grupo por US$ 60 milhões – sendo US$ 15 milhões do próprio Arnault e o restante financiado pelo Lazard.
Depois da aquisição, ele reestruturou a empresa drasticamente: demitiu 9.000 funcionários e vendeu todos os ativos, exceto a Christian Dior e a loja de departamentos Le Bon Marché. A mídia francesa não poupou críticas e lhe deu o apelido de “O Exterminador”, mas ele apenas aplicou as estratégias que aprendeu nos EUA.
A Aquisição da LVMH:
Desde que comprou a Dior, Arnault já tinha uma visão clara: construir um conglomerado de luxo. Esse primeiro passo com a Dior foi apenas o começo para o seu grande objetivo – criar um império de marcas icônicas. E é aí que entra a LVMH. Como seu filho Alexandre Arnault explicou em uma entrevista na Universidade de Oxford (vale a pena assistir!):
“Há muitas sinergias que podem ser criadas entre as marcas (...) Para a criatividade, é incrível, porque ter um conglomerado permite que as pessoas transitem entre diferentes marcas e indústrias.”
A filosofia da LVMH é que cada marca deve ser independente, mas se beneficiar de sinergias como economia de escala, desenvolvimento de talentos, publicidade e aluguel de múltiplas lojas com maior poder de negociação.
O próximo grande movimento de Arnault rumo ao seu conglomerado de luxo começou quando surgiu um conflito interno entre os líderes da Louis Vuitton e da Moët Hennessy. As duas empresas haviam se fundido em 1987, criando a LVMH, mas seus líderes, Henri Racamier e Alain Chevalier, estavam em desacordo.
Arnault viu nisso uma oportunidade: comprou ações da empresa na bolsa, conseguiu remover os dois líderes e, em 1989, se tornou o CEO da LVMH. Desde então, ele liderou o grupo por meio de múltiplas aquisições, sempre com a missão de “fazer da LVMH a líder mundial do setor de luxo”.
A essa altura, já ficou clara a estratégia de Arnault: comprar ações no mercado e tirar todo mundo do caminho. Embora a LVMH tenha sido bem-sucedida na maioria de suas aquisições, houve duas tentativas que não saíram como planejado – as disputas para comprar a Gucci e a Hermès.
LVMH vs. Gucci:
Antes de começar, preciso dizer que essa é uma das disputas corporativas mais fascinantes do mundo do luxo. Tem drama, brechas legais, reviravoltas e um desfecho inesperado.
Nos anos 80, a família Gucci vendeu a empresa para o fundo de private equity Investcorp. Na época, a Gucci estava à beira da falência. Em 1994, Bernard Arnault fez um acordo verbal para comprar a marca por US$ 400 milhões. O negócio parecia perfeito: a LVMH adicionaria a Gucci ao seu império, e a Investcorp dobraria seu investimento inicial de US$ 200 milhões se livrando de um negócio problemático.
Mas quando Arnault iniciou o processo de due diligence, ele desistiu da compra, alegando que a Gucci não valia nada. Com isso, a Investcorp decidiu reformular a empresa e trouxe Domenico De Sole como CEO e Tom Ford como diretor criativo. A primeira coleção de Ford foi um sucesso tão grande que a Gucci voltou a ser lucrativa e dobrou as suas vendas. O revival da marca foi tão bem-sucedido que a Investcorp abriu o capital da empresa na Bolsa de Nova York (NYSE) em 1995.
Com a Gucci agora pública, Arnault voltou à jogada. A LVMH começou a comprar ações discretamente, acumulando 34,4% da empresa (essas compras foram rastreadas a uma empresa fantasma registrada no endereço da LVMH em Paris). Segundo Arnault, a intenção não era fazer uma aquisição hostil, mas apenas evitar que outros investidores, como a Prada, assumissem a Gucci. No fim das contas, ele queria participar do conselho de administração e, eventualmente, incorporar a marca ao grupo LVMH.
Quando Domenico De Sole percebeu a movimentação, tentou encontrar um white knight (um investidor para defender a empresa de uma tentativa de controle hostil) para evitar o controle da LVMH. Mas todas as tentativas falharam – e, curiosamente, sempre que ele avançava em negociações, Arnault comprava mais ações. Parecia que todo o mercado estava do lado da LVMH.
Foi então que os advogados da Gucci tiveram uma ideia: criar um Employee Stock Ownership Plan (ESOP), ou seja, um plano de participação acionária para funcionários. Isso diluiria a fatia da LVMH emitindo novas ações para os empregados.
A Gucci seguiu em frente com o ESOP, mas a LVMH alegou que a manobra era ilegal sob as regras da NYSE, que exigiam aprovação dos acionistas para transações acima de 20% do capital. Porém, como a Gucci era incorporada na Holanda, essa regra não se aplicava. Arnault processou a Gucci na Justiça holandesa, mas perdeu.
Além disso, De Sole finalmente encontrou o seu white knight: François Pinault, fundador do grupo Kering (concorrente da LVMH). O acordo com Pinault encerrou a disputa, e a Gucci cancelou o ESOP. Domenico De Sole e Tom Ford continuaram no comando da empresa.
No fim das contas, a LVMH concordou em vender suas ações da Gucci em duas tranches, realizando um lucro de €760 milhões.
Para mais detalhes, recomendo a leitura do artigo da Vanity Fair “Gucci and Goliath” – vale muito a pena!
LVMH vs. Hermès:
Nos anos seguintes, a LVMH começou a acumular secretamente (de novo!) uma participação na Hermès, dessa vez utilizando swaps (um instrumento financeiro que permite comprar ações sem precisar divulgá-las imediatamente). Quando as famílias que controlavam a Hermès descobriram a movimentação, elas acionaram a justiça.
A autoridade financeira francesa multou a LVMH por não ter divulgado corretamente sua participação acionária, o que forçou a empresa a reduzir sua participação e a proibir novas aquisições por cinco anos.
Apesar disso, a LVMH obteve bilhões de dólares com a venda das ações, mantendo apenas 8,5% da Hermès – uma fatia que, embora valiosa, não era suficiente para tomar o controle da marca.
LVMH vs. Tiffany’s:
A mais recente aquisição controversa do grupo foi a Tiffany & Co. Em 2019, Arnault fez uma oferta de US$ 16,2 bilhões para comprar a joalheria, mas tentou se retirar do negócio quando a pandemia de Covid-19 chegou. Para resumir: Tiffany processou a LVMH, que contra processou a Tiffany, e até o ministro francês das Relações Exteriores se envolveu, dizendo que a negociação afetaria o comércio entre os EUA e a França. No final das contas, a LVMH comprou a Tiffany & Co. por US$ 15,8 bilhões, garantindo um desconto de US$ 425 milhões em relação ao preço original.
Desde então, Alexandre Arnault, filho de Bernard Arnault, foi nomeado Vice-presidente Executivo e tem desempenhado um papel crucial na modernização do negócio. Ele lançou colaborações e campanhas de marketing, como aquela estrelada por Beyoncé e Jay-Z, além da campanha polêmica “Not your mother’s Tiffany”. Sobre esta última, Alexandre afirmou que “as mães querem parecer com suas filhas”.
A LVMH também investiu US$ 350 milhões para renovar a loja principal da Tiffany em Nova York (na rua 57 com a 5ª avenida) e acabou de anunciar que a loja “teve um faturamento recorde em 2024”.
O império Arnault:
A LVMH está prosperando como nunca. Em 1987, o grupo tinha 10 maisons, 12.000 empregados, e €3 bilhões em vendas. Agora, com €84,7 bilhões em receita, 75 maisons e mais de 215.000 empregados ao redor do mundo (no final de 2024), é o maior empregador do setor privado da França. Bernard Arnault está entre as pessoas mais ricas do mundo – segundo o Bloomberg Billionaires Index – e a LVMH alcançou o status de uma das maiores empresas do planeta, em termos de capitalização de mercado. O controle da empresa ainda está nas mãos da família Arnault: eles possuem 49% das ações da LVMH e aproximadamente 65% dos direitos de voto.
A influência da família Arnault não é apenas financeira—ela também é pessoal. Com todos os cinco filhos envolvidos na empresa, Bernard Arnault montou uma estrutura cuidadosamente pensada para garantir que a futura liderança da LVMH continue nas mãos da família.
Isso costuma gerar a pergunta: E a sucessão? Se você pesquisar sobre o tema, vai encontrar muitos artigos sobre isso; todos os cinco filhos de Bernard Arnault são executivos na empresa da família. Embora ele não tenha planos de se aposentar tão cedo (recentemente, ele aumentou a idade limite para continuar como CEO), a sucessão está bem planejada: os cinco filhos possuem uma participação igual na holding Agache Commandité (controladora da LVMH), não podem vender suas ações por 30 anos e não podem tomar decisões estratégicas de forma unilateral.
Essa estruturação mostra que Arnault está criando um ambiente pacífico para seus sucessores – um ponto de falha comum em muitas empresas familiares.
Se eu tivesse que apostar em um de seus filhos como seu sucessor, eu apostaria no Alexandre. Por quê?
Ele já provou ser inovador e estratégico. O que ele fez com Tiffany & Co. e Rimowa mostra sua capacidade de revitalizar marcas e conectá-las com um público mais jovem. No caso da Rimowa, ele não só apresentou o negócio à LVMH, mas também conquistou a confiança da família fundadora a ponto de exigirem que ele assumisse como co-CEO.
Enquanto esteve na Rimowa, Alexandre fez colaborações marcantes, como a parceria com a Supreme, que ajudou a posicionar a marca no radar da geração mais jovem. Agora, estou curiosa para ver o que ele fará na divisão de Wines & Spirits, que ele está assumindo ao lado do CFO do grupo, Jean-Jacques Guiony.
A receita dessa divisão caiu 11% em 2024, impactada pelas flutuações cambiais e pela normalização da demanda. Será interessante observar como Alexandre lidará com esse desafio e se conseguirá trazer a mesma energia inovadora que aplicou em marcas anteriores.
Já que estamos falando dos números de 2024, vale destacar que, embora o conglomerado publique apenas resultados globais, algumas marcas tiveram um desempenho excepcional no ano: Loewe, Loro Piana, Rimowa, Bulgari, Tiffany & Co. e Sephora. Segundo o relatório de resultados, "Sephora teve mais um ano notável, com crescimento de dois dígitos tanto na receita quanto no lucro, continuando a ganhar participação de mercado." Esse sucesso reforça o posicionamento estratégico da marca no setor de beleza e seu apelo global.
É evidente que a família Arnault ainda não terminou de expandir seu império no luxo. Além de várias marcas que poderiam se integrar ao grupo de forma estratégica—como Armani, Patek Philippe e Audemars Piguet—um detalhe no último relatório de resultados chamou minha atenção:
"Em setembro de 2024, a LVMH e Remo Ruffini – Presidente e CEO da Moncler – firmaram um acordo de investimento pelo qual a LVMH pretende adquirir, ao longo de 19 meses, até 22% do capital social e dos direitos de voto da Double R, a holding que controla a Moncler, pertencente ao Sr. Ruffini. A Double R deterá até 18,50% de participação na Moncler."
O tabuleiro está montado mais uma vez.
Outras Atividades
Gostaria de concluir falando sobre dois segmentos que acredito que ouviremos muito nos próximos anos: Viagens de Luxo e Imóveis. No momento, não há muita informação disponível sobre o desempenho dessas atividades, já que ambas estão no segmento "Outras Atividades". No entanto, eu diria que estão interligadas (hotéis de luxo estão em locais imobiliários de primeiríssima linha) e compartilham algumas características: alto investimento inicial e horizontes de longo prazo antes que os resultados comecem a aparecer.
Entre as recentes realizações no setor de viagens, destacam-se a aquisição da rede de hotéis Belmond (em 2019), a abertura do Cheval Blanc nas Ilhas Seychelles, e o anúncio de uma parceria com a Accor para desenvolver o Orient Express.
O grupo também tem tentado aumentar sua presença no segmento imobiliário por meio da L Catterton, a empresa de private equity de Bernard Arnault. Um de seus projetos mais conhecidos é o Design District de Miami, onde uma área industrial foi transformada em puro luxo. Esse novo complexo alterou o comportamento do consumidor, criando um novo polo de luxo para competir com o tradicional Bal Harbour. Arnault chegou até a fechar a loja da Louis Vuitton de Bal Harbour para reabri-la em seu próprio desenvolvimento. Seu projeto mais recente, o Royalmount, é um shopping de luxo em Montreal que foi inaugurado em 2024.
Como era de se esperar, Arnault decide quais inquilinos podem ocupar suas propriedades. Assim, quando há um concorrente em uma localização privilegiada, eles são convidados a sair assim que o contrato de locação expirar. Isso desencadeia mais uma forma da LVMH consolidar sua presença – sem sinais de parar. Segundo o Bloomberg, "em 2024, a LVMH gastou um recorde de €2,45 bilhões em aquisições imobiliárias." Isso dá a Arnault duas fontes de renda – vendas de lojas e aluguel de espaço – além da valorização do imóvel.
O sucesso do LVMH não é por acaso, sendo impulsionado por aquisições estratégicas, liderança ousada e um olhar atento para os mercados de luxo. É uma história de visão, persistência e a arte de criar valor.
Disclaimer: As informações compartilhadas neste post são apenas para fins informativos e não constituem aconselhamento financeiro. Por favor, faça sua pesquisa ou consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão financeira. Eu posso ter ações nas empresas discutidas.
Fontes:
The Perfect Paradox of Star Brands: An Interview with Bernard Arnault of LVMH
Why luxury groups have become real estate developers – CPP-LUXURY
LVMH achieves a solid performance despite an unfav... - LVMH
LVMH and Accor join forces to take Orient Express ... - LVMH
Acquired Podcast
https://www.nytimes.com/1989/12/17/magazine/a-luxury-fight-to-the-finish.html
Cheval Blanc opens sixth Maisons in the Seychelles... - LVMH
https://hauteliving.com/2023/04/tiffany-and-co-the-landmark-soiree/729464/
https://press.tiffany.com/tiffany-co-introduces-the-about-love-campaign-starring-beyonce-and-jay-z/
https://www.wallpaper.com/fashion/louis-vuitton-new-bond-street-store-opening